Existem inúmeros restaurantes onde tudo é feito para impressionar e criar uma sinestesia com a comida: a arquitetura, público, louça, atendimento, música, preço e, claro, a comida também.
Não importa se o cliente sabe apreciar boa comida ou bons vinhos, porque existem outros sentidos que podem ser impactados além do paladar (além de ver e ser visto). O que conta (inclusive na conta) é a experiência. Nada contra. Restaurantes bons tem custos altos e sem o marketing nem sempre é possível sobreviver.
Ontem, conhecemos com a Júlia um restaurante impressionante pela arquitetura, decoração, louça, som ambiente, localização, preço e, principalmente, pela comida. Experiência fantástica, porém totalmente fora do eixo "sofisticado" e com marketing zero.
Fomos ao Restaurante Chique, que fica na Liberdade, no final da Rua da Glória, e foi recomendado por um amigo chinês. Porque, se não tivesse alguma recomendação, certamente passaríamos reto, sem cogitar a entrada.
A fachada é horrível. A entrada é de mau gosto. No entanto, o salão é discreto. O público é essencialmente de chineses bem vestidos. Muitos deles de paletó e terno em pleno domingo. O som ambiente é uma televisão ligada na Globo. O cardápio é tipicamente chinês e escrito em português ("olelhas de porco"). Tudo parece ser limpo, inclusive as pias que podem ser vistas das mesas.
Mas o que realmente interessa: a comida é maravilhosa, por um preço infinitamente mais baixo do que qualquer restaurante de bairro nobre em São Paulo.
Testamos alguns clássicos para comparar com outros restaurantes, entre eles bifum e siri (que a Júlia ama), porco apimentado e verduras chinesas.
O bifum, apesar de pouco camarão e legumes, tinha um sabor gostoso por si mesmo.
O siri foi um dos melhores que já provei, com molho de gengibre frito fazendo uma interferência delicada no sabor (atenção: tenho implicância com gengibre). Nesse momento, concentração máxima para comer com as mãos, porque os "hashis" não dão conta. A Júlia tem verdadeira paixão por esse prato que já comeu no Chifu, no (ex) China Grill e no Dinastia Ritz. Depois de tanto treino, ela já come sozinha o corpo enquanto o pai abre as patinhas.
Os legumes (cabos e folhas de brócolis chinês) foram refogados no alho e estavam deliciosos . Não sobrou nada. Foi lindo ver a Júlia se servindo até o final da porção e comendo com "hashis" presos com elástico.
Para finalizar, porco com pimenta. Um sabor forte e delicado ao mesmo tempo. Só provando para saber. Como a Júlia já tem quase seis anos e muitas passagens por restaurantes chineses, aos poucos estamos oferecendo sabores mais intensos para ela provar, sem expectativas, porque ela não é nem coreana, nem chinesa. Apenas uma mestiça japa-alemã em treinamento.
No final da refeição, com o restaurante cheio, já não dava mais para ouvir a TV, nem ver a pia do banheiro. Uma atendente brasileira nos servia chá com uma gentileza incomum na Liberdade.
Quando estávamos indo embora, olhei novamente para a fachada do restaurante quase não acreditando em como as aparências enganam.
O que é ser chique? Entre várias definições contemporâneas, uma delas é ser educado o suficiente para não ter preconceitos (que, na minha opinião, só servem para limitar a nossa vida).
O que é o Restaurante Chique? Uma experiência para curiosos e verdadeiros amantes da comida chinesa, além dos famigerados rolinhos primavera. É a antítese de tudo que é conhecido como chique, menos em relação aos preconceitos.